Agora eu sou criança. Eu tenho sonhos, prazeres nos sonhos: Astronauta, Marte. Talvez Júpiter. Um, dois, cem. Aprendi a contar até cem, só não sei o que vem depois do cem: cem e um? Meu avô só me ensinou a contar até cem. Ele me levava até o parapeito da janela e contava todos os números, um por um. Até cem. Teve um dia que ele parou de contar. No cem.
Eu não tenho muita noção de tempo. Não sei quando é terça. Não sei quando é quinta. O que é terça? Mas não importa. Eu vivo meu próprio mundo. Eu conheço minha vida. Só sei que quando fica escuro e eu não consigo mais enxergar o sol, é hora de domir. Mas fico alerta. Sempre coberto. Protegido do Bicho Papão e da Cuca.
Eu consigo ver coisas boas em tudo: na chuva, na poltrona, no supermercado. O braço do sofá me leva ao infinito. Um salto é um risco. O braço do sofá é meu cavalo. Bom dia! Xerife na área. Meu cavalo também é alado. O nome dele é Pegasus. Eu vi isso num filme, mas não me lembro qual.
Esqueci de falar que eu vou pra um lugar onde tem um monte de criança. A gente senta em umas cadeiras e foramamos uma roda bem grande. Em uma parte da roda tem uma mulher. Ela se chama Professora. Mas acho que ela não é criança. Tem uma garota. Ela se chama Melissa. Eu fico esperando o dia inteiro para ver a Melissa. Mas é engraçado, eu não consigo falar com ela. Eu fico com frio.
Eu não falo muito. Eu não falo pouco. Eu só não gosto de conversar. É porque sou muito eufórico. Embolo muito as frases.